A nova revolução gerou mais perguntas do que respostas em Davos
É certo que os avanços na robótica, inteligência artificial e tecnologias como a impressão 3D vão mudar o mundo do trabalho. Mas há muitas incertezas sobre a quarta revolução industrial.
AFP/FABRICE COFFRINIF |
A Uber – a aplicação que permite chamar um carro com
motorista através de um telemóvel – é um exemplo conhecido de um novo paradigma
da economia. Pessoas com tempo e recursos livres (neste caso, um carro que
cumpra determinados critérios) podem ganhar dinheiro através de um sistema que
faz a conjugação de procura e oferta. Para algumas tarefas, o funcionamento da
Uber também substitui humanos por sistemas informáticos. Chamar um táxi de
forma convencional implica fazer um telefonema e falar com uma pessoa, que
depois faz a ligação entre o cliente e o taxista (muito embora este sector
também tenha começado a disponibilizar aplicações para telemóveis que cortam
este intermediário humano).
A startup americana foi uma empresa que veio mais do que uma
vez à conversa no Fórum Económico Mundial de Davos, um evento que reúne
anualmente na Suíça pensadores, empresários, gestores e políticos de topo. O
grande tema da edição deste ano, que terminou no sábado, foi a quarta revolução
industrial, que chega depois da máquina a vapor, da electricidade e da produção
em massa, e do advento da electrónica e dos computadores.
Desta nova revolução fazem parte os avanços na inteligência
artificial, a criação de robôs capazes de executar cada vez mais tarefas e
ainda tecnologias como a impressão 3D, que está a mudar o funcionamento de
muitas fábricas e a facilitar a produção de objectos à medida (apesar de longe
da promessa de ser uma revolução também em ambiente doméstico). Para além
disto, há também o cenário de um mundo inteiramente conectado – Internet das
Coisas tem sido o jargão usado –, onde electrodomésticos, carros, portas e
telemóveis comunicam entre si e geram quantidades avassaladoras de dados, que podem
ser analisados para incentivar o consumo ou para melhorar os cuidados de saúde.
É uma revolução que veio colocar várias perguntas (mais do que as respostas)
aos participantes do fórum. A questão do trabalho foi muito frequente: o que
vai acontecer à medida que mais robôs e algoritmos substituírem mais humanos?
A Uber tem causado a ira de empresas de táxis em vários
países, Portugal incluído. Mas, por ora, os motoristas da Uber ainda são
pessoas e a empresa argumenta que até cria empregos (mas sem o vínculo de um
funcionário). Num futuro não muito distante, os motoristas da Uber podem bem
vir a ser computadores. A empresa tem estado a trabalhar em parcerias para
explorar a tecnologia de carros capazes de andarem sozinhos. Também o Google e
muitos outros fabricantes de telemóveis têm em curso esforços para colocar na
estrada (e dentro de poucos anos) automóveis autónomos. Já existem, são capazes
de circular, mas ainda não são bons o suficiente para serem comercializados em
massa e andarem sem uma pessoa pronta a intervir - será uma questão de tempo
até a tecnologia amadurecer. E, quando esse tempo chegar, os motoristas de táxi
e os da Uber, hoje rivais, estarão no mesmo barco: obsoletos e sem trabalho.
“Com o advento das novas tecnologias, criámos sempre novos
trabalhos”, comentou o cientista Illah Nourbakhsh, especialista em interacção
entre humanos e robôs na Universidade de Carnegie Mellon, que tem uma parceria
com a Uber para desenvolver carros autónomos. Este argumento tecno-optimista
foi usado por outros oradores. “Uma coisa normalmente subvalorizada é que a
tecnologia não cria apenas trabalhos na tecnologia, mas trabalhos no sector não
tecnológico”, disse a directora de operações do Facebook, Sheryl Sandberg (que
falava num outro debate). O que Nourbakhsh disse a seguir também é um exemplo
dos desafios de que muitos participantes falaram, das incertezas associadas às
previsões e de um sentimento de esperança presente em várias das intervenções:
“Não sei quais serão esses empregos, mas estou confiante em que os vamos
encontrar”.
A substituição de trabalho humano acontece há muito e vai
desde os casos das linhas de montagem progressivamente robotizadas até às
caixas registadoras no supermercado onde são os clientes a passar os produtos.
A tecnologia trouxe mais eficiência e uma maior produção de riqueza. Mas
também, argumentaram vários oradores, desigualdades, tanto no que diz respeito
ao fosso digital que separa o mundo informatizado daquele onde o uso da
Internet e de dispositivos informáticos é escasso, como à distribuição de
riqueza.
“É verdade que a tecnologia está a tornar o bolo maior e que
a criação de riqueza é maior, mas não há nenhuma lei económica que diga que
todos vão beneficiar proporcionalmente”, observou Erik Brynjolfsson,
especialista em economia digital do MIT. O académico afirmou que as revoluções
anteriores, embora tenham obrigado a adaptações que deixaram pessoas para trás,
foram “uma maré que levantou a maioria dos barcos”. Na revolução industrial
anterior, “as máquinas ultrapassaram o trabalho braçal, [mas] o resto da
sociedade adaptou-se: inventámos educação pública para as massas, mudámos o
sistema de segurança social”, lembrou, antes de reconhecer que “foi duro para
muitas pessoas, nem todas se adaptaram imediatamente”.
O problema do dividendo digital
Porém, a realidade é hoje diferente. Brynjolfsson referiu
que, nas últimas duas décadas, se estão a gerar grandes assimetrias com a
quantidade de riqueza produzida: “Há um crescimento contínuo de produtividade,
o Produto Interno Bruto está em níveis recorde na maioria dos países, há mais
milionários e multimilionários do que alguma vez vimos. Mas o rendimento
mediano [nos EUA] é agora mais baixo do que no final da década de 1990”.
Uma possível estratégia para lidar com as pessoas cujos trabalhos
sejam substituídos por máquinas veio da boca do presidente executivo da
Microsoft, Satya Nadella. “O desafio de substituição é real. A natureza do
trabalho vai mudar fundamentalmente”, previu o executivo, que gere uma empresa
com 119 mil funcionários e cujos produtos são responsáveis por uma incontável
miríade de postos de trabalho indirectos. “Sinto que a ênfase devem ser as
competências, em vez de nos preocuparmos demasiado com os trabalhos que se vão
perder. Vamos ter de, como sociedade, gastar o dinheiro para educar as pessoas.
Não apenas crianças, mas também as pessoas substituídas a meio da carreira.”
Nadella defendeu que a explosão das tecnologias de
informação e da inteligência artificial está a gerar riqueza sem paralelo. Mas
alinhou com outros oradores ao mostrar-se preocupado com o problema da
distribuição. “Todos precisamos de nos esforçar para criar um dividendo
digital. Vai haver excedente económico criado por causa desta quarta revolução
industrial. A questão é saber o quão bem distribuído vai ser.”
Os países emergentes, cuja economia depende sobretudo de
mão-de-obra fabril e barata, estão entre os que mais sentirão o abalo da
automação nas linhas de montagem e noutros trabalhos que não exigem
qualificações elevadas. No fórum, houve quem lembrasse que a Foxconn (uma
fabricante taiwanesa que trabalha para a Apple e tem fábricas na China e outros
países do sudeste asiático) tem actualmente dez mil robôs a fazerem trabalho
que antes era desempenhado por pessoas e que já anunciou planos para um milhão
de máquinas dentro de três anos (a empresa, no entanto, tem estado descontente
com o desempenho dos robôs e tem contratado mais para fazer a produção
acompanhar as vendas de iPhones).
O milionário empresário indiano Anand Mahindra, que fabrica
tractores e falou no mesmo painel que os executivos da Microsoft e do Facebook,
afirmou que a robotização acabará por impedir a Índia de replicar o modelo
chinês. Mas disse ver oportunidades nas tecnologias da quarta revolução. “Na
Índia, 65% da população ainda está em aldeias. De repente, é possível pôr lá
impressoras 3D. É possível fazer com que sejam todos mecânicos independentes. É
possível ligá-los a clientes, cortar intermediários e ter aldeias
auto-suficientes. Vai haver uma explosão de produtividade”.
Artigo retirado a 20 de Abril de 2017.
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