O modelo de luxo da Autoeuropa: as relações laborais
Unidade alemã assinala 25 anos em Portugal. Fábrica foi
revolucionária na forma como trabalhadores e administração negoceiam.
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Pedro Capela tem 41 anos, metade dos quais a trabalhar na
Autoeuropa, na área de carroçarias. Há duas décadas que percorre 100
quilómetros para ir e vir da fábrica da Volkswagen, em Palmela, mas não tem
despesas de transporte. A empresa vai buscá-lo e levá-lo a casa numa das 30
carrinhas disponíveis para o efeito.
O benefício faz parte de um acordo entre a comissão de
trabalhadores e a administração. O mesmo instrumento que permite que Pedro e os
quase 3.600 trabalhadores da Autoeuropa tenham 25 dias úteis de férias por ano
e mais 22 down days – dias de paragem, pagos, concedidos como contrapartida de
um congelamento salarial, de maior flexibilidade, e como forma de evitar
despedimentos.
É assim a dinâmica laboral na Autoeuropa, fábrica que
representa o maior investimento estrangeiro feito em Portugal e que comemora
esta sexta-feira o 25º aniversário. A data é assinalada com uma visita à
fábrica da Volkswagen do presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, do
primeiro-ministro, António Costa, e mais três membros do Governo. Não é para
menos. A importância da Autoeuropa para a economia portuguesa é conhecida: o
impacto no PIB é de 1% e nas exportações nacionais atinge 4%.
A crise económica e as sucessivas quedas na produção
automóvel obrigaram, ao longo dos anos, a adaptações e reorganizações na
estrutura laboral da fábrica, com difíceis negociações entre a comissão de
trabalhadores e a administração da empresa. Mas foi possível evitar
despedimentos coletivos e manter a fábrica da Volkswagen em Portugal. Os bons
resultados da negociação, com 22 acordos assinados em 25 anos, fazem com que a
Autoeuropa seja vista como um exemplo único na negociação coletiva ao nível da
empresa, onde os trabalhadores aceitam uma maior flexibilidade, praticamente
sem conflitualidade.
Qual é o segredo? O diálogo permanente, diz o coordenador da
comissão de trabalhadores, António Chora. “As portas da hierarquia estão sempre
abertas, nas melhores e nas piores situações”, conta ao Jornal Económico. Há um
envolvimento constante da comissão de trabalhadores com os funcionários da
empresa e a última palavra sobre os acordos é sempre deles. Os acordos laborais
são discutidos e decididos pelos trabalhadores, por voto secreto. “Se algo
correr menos bem, a comissão de trabalhadores e a administração voltam a
analisar as questões e encontram soluções”, explica António Chora.
Apesar de a empresa estar vinculada ao contrato coletivo do
setor automóvel, os acordos internos prevalecem e existem na empresa desde a
sua fundação. O mais inovador foi assinado em 2003, quando houve uma quebra na
produção em dois anos na ordem das 60 mil unidades. O acordo serviu para
impedir o despedimento de cerca de 800 trabalhadores e a perda do subsídio de
turno para os restantes. O aumento salarial que estava a ser exigido pela
comissão de trabalhadores (superior a 3%) foi convertido em 22 dias vitalícios
de paragem de produção – os down days. Quando há baixa produção, a empresa
para. As interrupções são marcadas preferencialmente junto a fins de semana,
feriados ou folgas, mas também podem abranger semanas completas.
Quando as paragens da fábrica ultrapassam os 22 dias por ano
– o que é comum –, os trabalhadores da Autoeuropa ficam a dever à casa. “Já
houve situações de mais de 50 dias negativos”, conta António Chora. Depois,
quando há um pico de produção – o que deverá acontecer no próximo ano, quando o
novo SUV da Volkswagen começar a ser fabricado em Palmela –, os trabalhadores
têm de compensar os dias em falta, mesmo que isso implique trabalhar aos
sábados.
Pedro Capela, que esta semana ficou em casa ao abrigo dos down
days, por terem reduzido a atividade da fábrica a um turno, aproveita o tempo
disponível que tem com o filho pequeno. O trabalhador considera que “há coisas
boas e menos boas” na organização da empresa mas o balanço é positivo. “Há
alturas em que trabalhamos muito e é bastante duro, sobretudo em algumas
secções. Mas, no final, acho que saímos todos a ganhar, empresa e
trabalhadores”, reconhece.
Os acordos mais difíceis de alcançar foram os três últimos,
considera o coordenador da comissão de trabalhadores. Mas as questões foram
ultrapassadas sobretudo “com a solidariedade de outras fábricas no estrangeiro
e o voluntariado e flexibilidade dos trabalhadores portugueses”, diz António
Chora.
A ausência de greves é outra das marcas da Autoeuropa.
Segundo António Chora, a fábrica apenas parou com as greves gerais de 2003 e de
2009 contra as alterações ao Código do Trabalho. Nesse ano, em plena crise
mundial, a empresa viveu momentos de incerteza, com dúvidas sobre a sua
manutenção em Portugal. O número de encomendas desceu a pique e a empresa
propôs então à comissão de trabalhadores um pré-acordo que implicava maior
flexibilidade. Os trabalhadores chumbaram a proposta por recearem a perda de
direitos adquiridos e o impasse das negociações gerou preocupações no Governo
de Sócrates, com notícias de uma possível deslocalização da fábrica. Mas, mais
uma vez, a questão foi ultrapassada, com um novo ciclo de esperança para a
fábrica de Palmela: a casa-mãe, na Alemanha, anunciava que a nova geração do
Sharan iria ser produzida em Portugal, juntando-se assim ao Scirocco, modelo
fabricado em Palmela desde 2008.
Artigo retirado a 26 de Abril de 2017.
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